Como acontece a criação de medicamentos
Última atualização em 11 de novembro de 2022
Tudo o que você precisa saber para entender o processo de pesquisa e desenvolvimento até que uma medicação possa ser prescrita por um médico
Da origem das pesquisas até a aprovação pelas autoridades sanitárias, a criação de medicamentos envolve um trabalho árduo que, normalmente, demora anos. Não por acaso, o surgimento quase relâmpago das vacinas de prevenção ao novo coronavírus representa um marco histórico para a indústria da saúde.
Conversamos com a presidente executiva da Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC), Dra. Greyce Lousana, que dá mais detalhes sobre esse trabalho. Ela fala sobre os protocolos, os processos, o tempo de pesquisa, como ela acontece, os testes, as fases da pesquisa médica até as aprovações. “Tudo é feito para garantir a segurança sanitária de um medicamento”, diz a médica.
O que é um medicamento?
É uma substância que, dependendo da dose, serve para tratar uma doença. A dose é o que diferencia um medicamento de um veneno.
Como são feitos os medicamentos?
Uma medicação pode ter origem vegetal, animal ou artificial (complexo sintético/químico). Desde os primórdios de nossa civilização, usamos remédios para tratar doenças. “Houve um tempo em que se usava pata de asno moída para alguns tratamentos”, diz a Dra. Greyce.
Desde a Grécia Antiga, há registros de uso da casca de salgueiro para aliviar dores e diminuir febres. Mais recentemente (século 19), extraíram no laboratório uma molécula da planta (o chamado princípio ativo) e fizeram a aspirina.
No Brasil, a cultura popular desenvolveu a “garrafada”, uma mistura caseira de ervas no álcool, para aliviar dor de trauma. Essa conserva foi estudada e virou medicamento. O mesmo aconteceu com o veneno de cobra, cujo princípio ativo, hoje, é usado no tratamento de hipertensão. “Pesquisadores notaram que ratos picados por cobras apresentavam redução da pressão arterial e resolveram investigar. Daí nasceu o captopril”, conta a Drª. Greyce Lousana.
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Para que serve um medicamento?
Um medicamento pode ser usado para prevenir, tratar ou amenizar efeitos de doenças. Ou seja, pode evitar o surgimento de uma doença (ex: vacina), curá-la (ex: antibiótico) ou apenas agir no alívio de sintomas (ex: analgésico para dor, usado nos chamados tratamentos paliativos)
“Ele é uma ferramenta dentro de um amplo arsenal terapêutico que está à disposição do médico”, explica a Dra. Greyce. “Existem outras ferramentas, como radioterapia, prática de exercícios, alimentos especiais (parenterais), cosméticos para pele (ou higiene), marca-passos, stents, terapias celulares, enfim, como disse, um amplo arsenal terapêutico”.
Quem cria o medicamento?
Em linhas gerais, quando há um problema de saúde pública, a sociedade começa a pensar em como resolvê-lo, quase sempre partindo de pesquisas que já existem, as chamadas pesquisas básicas. “Existe hoje, disponível para os pesquisadores, um grande banco de moléculas que já foram pesquisadas”, conta.
Cada medicamento tem um processo. “Por exemplo, o complexo AZT usado para o tratamento da aids surgiu de pesquisas que estavam sendo feitas na busca de tratamentos para o câncer”, diz Lousana.
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O que é a pesquisa básica?
O mundo faz muitas pesquisas independentemente de entender para que elas vão servir. É a chamada pesquisa básica. “Funciona mais ou menos como aquela cozinheira que testa um ingrediente sem saber muito bem quando e como vai usá-lo”, explica a doutora. Ela existe para servir de base para outras pesquisas, mais específicas e direcionadas a um propósito pré-definido.
É um conhecimento que cataloga uma série de produtos com potencial de uso em diferentes situações, dependendo da necessidade. Uma doença aparece e os pesquisadores consultam a pesquisa básica para buscar, ali, um ponto de partida para o desenvolvimento de um medicamento capaz de prevenir, curar ou atenuar essa doença.
As pesquisas são feitas em inúmeras áreas. Há trabalhos em fisiologia, farmacologia, bioquímica, biologia molecular, anatomia, histologia, genética e assim por diante, a lista é bem longa.
Depois de encontrar esse produto com potencial de virar um medicamento, partimos para a pesquisa clínica.
Quem faz e onde acontece a pesquisa clínica?
É uma equipe multidisciplinar formada por profissionais de diferentes áreas. Há bioquímicos, biólogos, farmacêuticos, médicos, veterinários, advogados, engenheiros, químicos e mais uma infinidade de gente. O trabalho é realizado em diferentes locais.
Uma parte importante acontece em laboratório, com tubos de ensaio, refrigeradores, microscópios, placas, modelos moleculares etc. Mas tem também muita coisa feita em escritórios convencionais, com a redação de tudo, o planejamento do trabalho e o registro dos resultados.
A pesquisa também depende do trabalho realizado em clínicas, consultórios e hospitais. Ou seja, tem muita gente envolvida e há necessidade de muita expertise. “A pesquisa envolve até a administração da qualidade da matéria-prima que será usada no medicamento, tudo tem que ser pensado antes”, revela Lousana.
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O que a pesquisa precisa definir?
- Forma (se será administrado por via oral, injetável, tópica, sublingual, real, inalação);
- Dosagem e
- Embalagens, incluindo a primária (que fica em contato com o produto), a secundária (que protege a embalagem primária) e a terciária (usada para o transporte).
“Aqui pode ser um frasco de vidro ou plástico. Se for de vidro, será claro ou escuro? Tudo precisa ser pensado antes”, diz Grayce.
“Isso vale também para as máquinas onde serão envazados os medicamentos. Em alguns casos, elas precisam ser desenvolvidas, porque não existem”. Por fim, há questões importantes, como o prazo de validade, o prazo de validade depois de aberto (no caso de um xarope, por exemplo) e por aí vai.
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O que a autoridade sanitária avalia para aprovar o registro de um medicamento?
Muita coisa, nos mínimos detalhes. É um trabalho contínuo de acompanhamento, em geral, desde a aprovação da realização da pesquisa. “Não se trata de um mero trabalho burocrático. É preciso um corpo técnico qualificado, formado por profissionais de diferentes áreas, que precisam ter a certeza de que o que os pesquisadores dizem se confirma”, diz a presidente da SBPPC.
Em suma, dar o aval para um medicamento significa muita responsabilidade. Por isso, a autoridade sanitária exige informações da planta (fábrica) onde será produzido o medicamento, busca saber como será feita a distribuição e o armazenamento do produto, investiga se os locais de pesquisa eram devidamente reconhecidos, validam o envasamento e a compra dos insumos, procuram saber como será o treinamento das equipes responsáveis pela produção, além de avaliar os custos e o preço do medicamento. Enfim, os técnicos precisam avaliar muita coisa para atestar que o medicamento não vai causar danos à saúde das pessoas e do meio ambiente (animais e plantas).
Quanto tempo demora para uma pesquisa ser concluída?
Varia muito. A pandemia do novo coronavírus (causador da Covid-19) mostrou que, com esforço mundial, é possível aprovar uma vacina cerca de um ano depois do início das pesquisas. Foi um fato inédito e histórico.
Mas, em geral, um medicamento inovador (não uma mudança de formato ou embalagem) demora cerca de 10 a 12 anos para ser desenvolvido. Somente o registro leva de 12 a 18 meses, em média.
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O ideal de um medicamento é que ele seja produzido de forma rápida e simples, possa ser armazenado de maneira fácil, apresente alta eficácia, não cause eventos adversos e tenha um preço acessível. “Infelizmente, esse medicamento ideal não existe. Por isso, normalmente, a forma de produção encarece bastante os produtos”, diz Grayce