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O que o câncer pode mudar em nós?

Paciente de câncer pensando
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Última atualização em 19 de dezembro de 2023

Minha família enfrentou o câncer em várias gerações, fortalecendo laços e ensinando o valor do autocuidado e do amor, mostrando que somos mais do que nossa saúde momentânea. Juntos, lutamos com determinação e buscamos informação

A primeira vez que ouvi falar sobre câncer era muito pequena, uma criança, então nem tenho lembrança de quantos anos eu tinha. Descobri vendo fotos da minha avó paterna no álbum antigo da família que ela havia sofrido muito com um câncer metastático, ficou anos em cuidados paliativos até o falecimento. O dela foi um câncer colorretal. 

A partir desse momento, e nos anos – décadas – seguintes, foi uma sucessão de diagnósticos que eram comunicados à nossa família durante os almoços ou cafés de domingo, ao redor da mesa, como se fosse uma notícia como outra qualquer. Eu sentia como se fosse uma herança não desejável!

Meus parentes se mobilizavam de forma intensa, pareciam uma equipe de apoio sempre à postos para que o melhor cuidado estivesse ao alcance do paciente “bola da vez”. Sim, isso mesmo, era o “câncer da vez” que precisávamos combater, em família, e com muita fé. 

Nunca presenciei uma lágrima ou inconformismo, nem questionamentos dos meus familiares durante esse processo. Com esse histórico e notada predisposição genética, ficou claro que precisávamos todos aprender sobre esse grupo de enfermidades. Aqui começamos a buscar informação!

Fui educada em casa sobre o que era câncer e tudo o que envolvia combater um, era uma verdadeira batalha. Mas o que me impressionava mesmo era que meus familiares conseguiam encarar o diagnóstico e a jornada de combate ao câncer com ânimo, sem tristeza e com uma resiliência comovente. 

Tratamento do câncer

O câncer marcou minha infância e boa parte da minha juventude de uma forma particular. A grande presença em nossa família me fazia pensar que minha hora iria chegar. O medo rondava meu pensamento. Naquela ocasião estava ainda três gerações de distância da minha, mas eu tinha uma sensação que seria uma questão de tempo. 

Eram avós, tios-avôs, tios e primos com: câncer de intestino, estômago, pulmão, ósseo, neurológico, ovário, pele, fígado, linfoma, leucemia e mama…era uma pluralidade de tipos, primários, metastáticos, únicos, múltiplos. 

Acompanhávamos a evolução da doença e dos tratamentos entre bolos com café do lanche da tarde na casa de uma tia ou no meio do aniversário do primo, ou seja, era algo NORMAL. Entre um doce e outro, falávamos sobre quem já tinha operado, quem estava em quimioterapia, qual ainda tinha radioterapia e quem não tinha conseguido ainda tratar pelo SUS. 

Além do medo, havia um sentimento de impotência. No entanto, nascia um vínculo familiar e espiritual que nos impulsionava a seguirmos adiante com ternura, fé e muita afetividade. 

Já na vida adulta e como médica, presenciei o câncer chegando mais perto, agora eram meus primos mais próximos com idade quase igual a minha. Sentia que aquela herança logo seria entregue para mim e para meu irmão, primos mais jovens. E agora?

Paciente de câncer

A importância da detecção precoce e do tratamento em momento adequado sempre estiveram nas nossas rodas de conversa em casa, mas de fato entender o que isso exige de cada um de nós como agentes protagonistas de nossa saúde era ainda uma longa distância. Exige compromisso e amor próprio!

Acompanhando de perto meu pai no enfrentamento de 1, 2 e 3 cânceres diferentes, primários, aprendi finalmente o que a família tentava nos ensinar todo esse tempo. Que a herança não é a doença em si, mas o que dela você aproveita para transformar na sua vida e nas suas relações.

O adoecimento joga uma luz magnífica sobre nossas vidas, acelera o entendimento sobre a consciência humana, sobre a finitude e de como podemos construir uma nova perspectiva de vida. Faz nascer em nós o compromisso com o autocuidado, com a saúde, exames de rotina e seguimento médico preventivo. 

No caso da minha família, aprofundou os laços de amor e amizade. Criou vivências compartilhadas que jamais vamos esquecer. Provou o quão forte somos e nossa capacidade de superação. E fez muitos parentes dizerem “Eu te amo” diariamente aos seus familiares pela primeira vez.

No meu caso, o câncer me ensinou e continua ensinando que somos mais do que a condição de saúde que temos no momento. Que a jornada da vida é maior e mais valiosa quanto mais amor distribuímos. 

Perdemos muito pelo caminho, ficaram dores e saudades, mas de tudo, o melhor é a de que a informação é a melhor ferramenta. Temos que assumir o protagonismo de nossas vidas. 

Escrito pela Drª. Catherine Moura

Médica Sanitarista e CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale)

Vamos juntos nessa luta?  ?


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