HIV, TMO e câncer: qual a ligação entre eles?
![Transplante de medula ossea cura hiv](https://revista.abrale.org.br/wp-content/uploads/2023/04/transplante-de-celulas-tronco-cura-hiv.jpg)
Última atualização em 18 de abril de 2023
Entenda como o transplante de medula óssea (TMO) pode ser usado para curar ambas as doenças ao mesmo tempo
A ciência vem estudando e analisando como o HIV, TMO e o câncer, mais especificamente as leucemias e os linfomas, estão relacionados. Isso acontece porque, até agora, cinco pessoas que tinham algum desses cânceres, e também apresentavam o HIV, foram submetidas ao transplante de medula óssea (TMO) e ficaram curadas de ambas as doenças. Já se sabe qual mecanismo faz com que esse resultado aconteça e ele está sendo utilizado para alguns casos em que o indivíduo possua os dois quadros.
O primeiro paciente a alcançar a cura do HIV com transplante de medula óssea foi o Timothy Ray Brown, que, na época, ficou conhecido como “Paciente de Berlim”. Ele foi diagnosticado com leucemia, tinha a infecção e foi indicado que ele realizasse o TMO por conta do câncer.
“Toda a comunidade científica comemorou o primeiro caso de cura do HIV, em 2009, quando um paciente chamado Timothy foi a primeira pessoa a ser considerada curada. Após isso, ele viveu por 12 anos sem o vírus e veio a falecer em 2020 em decorrência da leucemia”, conta a Drª. Jéssica Ramos, médica infectologista do Hospital Sírio Libanês e membro da Sociedade Brasileira de Terapia Celular e Transplante de Medula Óssea (SBTMO).
Até agora, a cura do HIV e do câncer aconteceu para estas cinco pessoas:
- Timothy Ray Brown, “Paciente de Berlim” (2009): paciente de leucemia
- Adam Castillejo, “Paciente de Londres” (2016): paciente de linfoma de Hodgkin
- Mulher não identificada (2022): paciente de leucemia. Ela foi a primeira pessoa do sexo feminino a alcançar a cura do HIV e do câncer por meio do transplante de medula óssea de cordão umbilical
- “Paciente da Cidade da Esperança” (2022): paciente de leucemia, com 63 anos, até agora a pessoa mais velha a atingir os resultados
- “Paciente de Dusseldorf” (2023): paciente de leucemia mieloide aguda (LMA)
Para manter a segurança e anonimato dos casos mais recentes, os nomes dos pacientes não foram divulgados. Por isso, eles são chamados de acordo com o seu local de origem. Possivelmente, no futuro, os nomes serão revelados, assim como aconteceu com o Timothy e o Adam Castillejo.
Como o TMO pode curar o HIV e o câncer?
Esses pacientes mencionados foram submetidos ao TMO alogênico, ou seja, as células-tronco que foram transplantadas eram de um doador. A Drª. Jéssica explica que a cura aconteceu, pois os doadores possuíam uma mutação genética em homozigose, chamada CCR5, que faz com que as células consigam resistir ao vírus HIV.
![Como o transplante de medula óssea funciona](https://revista.abrale.org.br/wp-content/uploads/2023/04/transplante-de-medula-ossea.jpg)
“O paciente teve a indicação de fazer o TMO por conta do câncer hematológico, mas foi encontrado mais de um doador compatível e os médicos puderam optar pelo doador que tinha uma mutação chamada Mutação do CCR5 em homozigose. Importante dizer que essas pessoas são sabidamente resistentes à infecção pelo HIV. Aí, quando o paciente, que tinha o vírus, ganhou a medula nova, com essa resistência, o vírus não tinha mais células para entrar e, com isso, a infecção foi curada”, ela esclarece.
Vale saber que ter uma mutação em homozigose quer dizer que tanto o pai, quanto a mãe da pessoa possuem uma mutação e a passam para o(a) filho(a). Então, nesses casos, os doadores herdaram a CCR5 do pai e da mãe.
A especialista fala que esse tipo de mutação é muito rara. “Estima-se que no norte da Europa, na região da Escandinávia, onde a frequência dela é maior, é, no máximo, 10% da população.”
HIV e linfoma: qual a relação e como tratar
Ter o vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um fator de risco para esse câncer. Nesses casos, a principal preocupação…
Estratégia já é utilizada para pacientes com câncer
Diante desses resultados positivos, quando o TMO faz parte do tratamento do linfoma ou do tratamento da leucemia, e também será realizado em um paciente que apresenta o vírus do HIV, os médicos buscam um doador que, além de ter compatibilidade da medula, também tenha essa mutação genética.
![Pesquisa de mutação genética faz transplante de células tronco curar hiv](https://revista.abrale.org.br/wp-content/uploads/2023/04/transplante-de-medula-ossea-cura-hiv.jpg)
“Nós já buscamos um doador que além de ser HLA compatível, que é a principal condição determinante, também tenha a mutação. Se ele tiver essa mutação, com certeza é dada a preferência. Mas, infelizmente, isso dificulta encontrar um doador, então nós continuamos seguindo a mesma busca por doadores baseados na compatibilidade HLA. Em centros de referência, quando você tem um paciente soropositivo, a gente procura nos laboratórios de virologia, dentre esses doadores que já foram selecionados, a presença dessa mutação. Então, tentamos fazer essa seleção, mas não é uma coisa simples, tem que achar um doador compatível com o paciente e ainda com a mutação”, a médica descreve.
A Drª. Jéssica pontua que se o TMO não faz parte do protocolo de tratamento oncológico, ele não é realizado com o intuito de curar o HIV.
“Se eu tenho um paciente de linfoma, ele fez o tratamento, curou e não tem indicação de fazer o TMO, ele não fará o procedimento por conta do HIV. Neste caso, ele vai continuar usando os antiretrovirais”, ela exemplifica.
TMO pode ser uma cura para o HIV?
De acordo com a Drª. Jéssica Ramos, a resposta é não, o TMO não é uma cura para a infecção. Como o transplante tem uma série de riscos envolvidos e, atualmente, é possível controlar o vírus por meio de medicamentos, os infectologistas não consideram esse procedimento como uma modalidade terapêutica para o HIV.
![Tratamento do HIV](https://revista.abrale.org.br/wp-content/uploads/2023/04/cura-do-hiv.jpg)
“As pessoas que hoje vivem com o vírus do HIV têm uma qualidade de vida e um tratamento muito eficazes. Então, o tratamento considerado padrão ouro para quem vive com o vírus, consiste na tomada de dois comprimidos ao dia. Esses medicamentos conseguem suprimir a replicação do vírus HIV e a pessoa não chega a desenvolver a AIDS, que é a Síndrome da Imunodeficiência. Por isso, nós não consideramos habitualmente indicar um transplante para alguém, que é um procedimento que tem todos os riscos envolvidos, para curar uma infecção que é totalmente controlável de uma forma tão segura.”
Quais as chances de um transplante de medula dar certo?
O transplante de medula óssea (TMO) é, em algumas situações, a única ou principal chance de cura para os pacientes…
HIV pode ser um fator de risco para câncer
![HIV linfoma e leucemia](https://revista.abrale.org.br/wp-content/uploads/2023/04/linfoma-hiv.jpg)
A doutora informa que, caso o vírus demore para ser diagnosticado e fique muito tempo sem ser tratado, pode levar a uma maior probabilidade do aparecimento de alguns tipos de câncer, dentre eles a leucemia e o linfoma.
“Esse vírus leva, ao longo de muitos anos, caso não seja diagnosticado, a um enfraquecimento do sistema imune, especificamente do linfócito T. A gente sabe que isso deixa a vigilância do nosso organismo contra os tumores enfraquecida e, devido a esse enfraquecimento, temos uma possibilidade maior de aparecimento de vários tipos de cânceres.”