Destaques ASH 2020: tratamentos para mieloma múltiplo
Última atualização em 28 de julho de 2021
Novidades apresentadas no congresso poderão estar disponíveis para o paciente brasileiro em curto e médio prazo
O ASH 2020 aconteceu entre os dias 05 e 08 de dezembro do ano passado e, devido à pandemia, foi no formato online. Durante o congresso, os médicos puderam compartilhar, debater e apresentar resultados dos trabalhos científicos realizados a respeito de tratamentos para doenças hematológicas.
Para o mieloma múltiplo, “tivemos a apresentação de várias combinações de tratamento. Essas combinações vêm sendo utilizadas em linhas cada vez mais precoces. Mas, para os pacientes com doença recaída após várias linhas e com refratariedade à várias medicações, novas drogas e classes de medicamentos foram apresentados”, ressalta o Dr. Rafael Cunha, Hematologista do Grupo Oncoclínicas e INCA.
Tratamentos para mieloma múltiplo: 1ª linha
Para pacientes de mieloma múltiplo, que fazem parte desse grupo, e são elegíveis ao transplante de medula óssea (TMO), o Dr. Cunha destaca a atualização do Estudo Griffin, que aconteceu após 12 meses do início da fase de manutenção.
“Esse estudo avalia a associação de Daratumumab ao protocolo VRD. A associação de quatro drogas vem mostrando superioridade em relação às três drogas nesse contexto”, ele explica.
O protocolo VRD consiste nas drogas Lenalidomida, Bortezomibe e Dexametasona.
Pacientes do grupo DVRD (VRD + Daratumumab) tiveram uma resposta mais profunda em comparação àqueles que fizeram VRD. Além disso, também foi concluído que as pessoas que utilizaram os quatro medicamentos não tiveram uma maior toxicidade.
De acordo com o hematologsita, “o estudo fase 3 dessa combinação já está em andamento e, futuramente, teremos uma resposta mais precisa para colocarmos esse protocolo em nossas práticas clínicas. ”
Pacientes de mieloma elegíveis para TMO
O Dr. Cunha aponta três trabalhos, que foram atualizados, sobre o uso do transplante de medula óssea autólogo no tratamento de 1ª linha.
O primeiro, foi o estudo EMN02/HO95, que incluía quase 1500 pacientes. Desses, uma parte foi submetida ao TMO e a outra não, após tratamento de indução com o protocolo VCD (Bortezomibe, Ciclofosfamida e Dexametasona).
Após uma acompanhamento de mediana de mais de seis anos, a sobrevida livre de progressão e a sobrevida global foram foi maior no grupo que realizou TMO mais o protocolo VCD em comparação com os pacientes que realizaram quimioterapia com o protocolo VMP (Bortezomibe, Melfalano e Prednisona).
“Nesse estudo, a mediana de sobrevida livre de progressão foi de 57 meses e a mediana de sobrevida global ainda não foi atingida, com 69% dos pacientes vivos após 75 meses de tratamento”, o hematologista detalha.
Já o segundo, foi uma atualização do estudo IFM 2009 , que dividiu os pacientes em grupos que realizariam ou não TMO autólogo depois de três ciclos com protocolo VRD.
Foi feito um acompanhamento de mais de sete anos e, novamente, o grupo que realizou o TMO obteve melhores resultados.
“Esse grupo teve uma mediana de sobrevida livre de progressão de 47 meses. A sobrevida global foi semelhante entre os grupos, com 60% de pacientes vivos após 8 anos de acompanhamento”, o doutor conta.
E o terceiro, foi o estudo FORTE, que avaliou o transplante de medula após tratamento à base de Carfilzomib. Essa droga tem se apresentado como bastante eficaz em regimes de indução.
Foram apresentados dados de manutenção de resposta profunda e as avaliações de sobrevida livre de progressão. O grupo que realizou TMO também apresentou taxas superiores. A mediana de acompanhamento foi de 45 meses.
“Esses três estudos em conjunto consolidam o TMO autólogo como excelente opção terapêutica na 1ª linha. Ele deve ser realizado em todos os pacientes que tenham condições”, o Dr. Cunha considera.
Tratamentos para mieloma múltiplo para pacientes não elegíveis ao TMO
De acordo com o médico, o grande destaque foi a apresentação do estudo Tourmaline-MM2, feito apenas com medicamentos orais. Foram 705 pacientes divididos em dois grupos. Um grupo fazia Lenalidomida e Dexametasona (RD), enquanto outro fazia o RD associado ao Ixazomib (IRD).
“O grupo que realizou IRD apresentou um benefício de 13,5 meses na sobrevida livre de progressão. Porém estatisticamente essa diferença não foi significativa. Os pacientes que apresentavam alteração citogenética de mau prognóstico foram os que mais se beneficiaram da associação. O tempo para progressão foi maior no grupo IRD, com mediana de 45 meses”, ele diz.
Ou seja, apesar de não haver diferença estatística significativa na sobrevida livre de progressão, os resultados foram bons e comparáveis aos protocolos venosos já aprovados.
“Os medicamentos serem totalmente orais são um diferencial desse protocolo. Acredito que podem, futuramente, ser incorporados na nossa prática clínica”, o Dr. Cunha salienta.
Tratamentos para mieloma múltiplo: recidivado/refratário
Atualmente, os tratamentos de 1ª linha são feitos com medicamentos mais potentes, como a Lenalidomida. Dessa forma, o especialista conta que nos casos de recidiva, normalmente, o paciente tem refratariedade à essa droga. Assim, são necessários protocolos que ultrapassem essa refratariedade.
Com isso, o destaque do ASH 2020 está nos trabalhos científicos que demonstraram associação de anticorpo monoclonal anti-CD38 com Carfilzomib ou pomalidomida e Dexametasona. Em todos os estudos, os pacientes eram refratários à Lenalidomida.
O estudo Apollo avaliou a associação DPD (Daratumumab, pomalidomida e Dexametasona) versus a associação PD (pomalidomida e Dexametasona).
“Com uma mediana de acompanhamento de 17 meses, o grupo que realizou três medicamentos foi superior em relação à sobrevida livre de progressão. Sendo que o grupo que fez DPD teve mediana de sobrevida livre de progressão de 12 meses, o dobro do grupo controle”, o médico conta.
O estudo IKEMA também foi atualizado e foram apresentados dados da avaliação do isatuximab, um anticorpo monoclonal anti-CD38. Que foi associado, ou não, à pomalidomida e dexametasona. Mais uma vez o esquema de três medicamentos foi superior em relação à sobrevida livre de progressão.
O Dr. Cunha ainda ressalta que “novas classes de drogas também foram avaliadas em combinações nas apresentações orais do congresso.”
A primeira droga é o Belantamab, um anticorpo monoclonal conjugado, que foi avaliado em combinação com pomalidomida e Dexametasona. E a segunda, é o selinexor, inibidor da exportina-1, que também foi avaliado na combinação com pomalidomida e dexametasona
“Os resultados foram promissores com a possibilidade de novos estudos que levem à aprovação dessas combinações no Brasil e no mundo”, diz.
CAR-T Cell para mieloma múltiplo
Um dos principais destaques para os tratamentos de mieloma múltiplo no ASH 2019 foi a terapia com a CAR-T Cell. Porém ainda era preciso realizar mais análises, pois em primeiro momento,os pacientes chegavam a 90% de remissão. Entretanto, a maioria tinha recidiva dentro de um ano. No ASH 2020, novos dados foram apresentados e os resultados foram positivos.
“O tratamento utilizando CAR-T Cell vem revolucionando a terapia de várias doenças hematológicas e não está sendo diferente para o mieloma múltiplo. As técnicas vêm se aperfeiçoando e as novas terapias têm sido mais potentes e mais duradouras no corpo do paciente”, o Dr. Cunha fala.
Para o mieloma, o alvo vem sendo uma proteína presente somente nas células cancerosas e em alguns linfócitos, a BCMA. Dessa forma, ela é considerada um alvo ideal para as terapias.
O estudo CARTITUDE-1 foi atualizado e demonstrou uma célula CAR-T com dois locais para ligação com a BCMA. Nessa análise, foram incluídos 97 pacientes com várias linhas prévias de tratamento. A sobrevida livre de progressão ainda não atingiu a mediana. Sendo que 76% das pessoas estavam livres de progressão em 12 meses.
Segundo o doutor, “esse resultado foi muito bom, ainda mais considerando que os pacientes apresentavam características agressivas de doença. ”
Novos medicamentos
Dos novos tratamentos para mieloma múltiplo, o hematologista destaca o iberdomide, um imunomodulador potente em inibir a proteína cereblon. Foram demonstradas taxas de resposta de 60%, quando o medicamento foi associado a Bortezomibe e Dexametasona.
Além disso, foram apresentados vários anticorpos biespecíficos, “com destaque para o teclistamab, que tem como alvo o BCMA e o CD3. Ele foi testado como monoterapia, atingindo taxas de resposta de 73% na melhor dose avaliada”, informa o médico.
Expectativa ou realidade?
Muitas das combinações de tratamento apresentadas no congresso são de medicamentos já aprovados no Brasil em outras combinações. “Acredito que o protocolo Dara KD (Daratumumab, Carfilzomib e Dexametasona), que já tem seus medicamentos aprovados em outras combinações, esteja próximo de entrar na nossa prática clínica”, o Dr. considera.
Algumas das drogas mais novas estão aprovadas no Brasil, porém só estão disponíveis na rede privada.
“Recentemente tivemos um grande avanço com a introdução do Bortezomibe no Sistema Único de Saúde (SUS), mas não temos previsão da incorporação dos novos medicamentos”, ele fala.
“A pomalidomida é um novo medicamento da classe dos imunomoduladores já aprovado em vários países e deve estar próximo de ser aprovado no Brasil. Assim como o isatuximab, um novo anticorpo monoclonal anti-CD38. Esses medicamentos, quando aprovados, trazem suas associações junto”, finaliza o Dr. Rafael Cunha.
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