Brasileiros sofrem para acessar novidades no tratamento do câncer
Última atualização em 19 de julho de 2022
No primeiro encontro do Diálogos em Oncologia, especialistas debateram sobre os caminhos para aprovação de medicamentos no Brasil e no mundo e quais são as possíveis soluções para buscar a equidade entre o sistema público e o privado
A chegada de novidades no tratamento do câncer pode representar uma grande esperança para os pacientes e para qualquer um que possui um ente querido com essa doença. Mas, e quando esse novo medicamento chega com um preço muito alto? Ou não recebe aprovação das agências reguladoras mesmo sendo eficaz? O caminho desde o desenvolvimento de terapias inovadoras até o acesso contínuo a elas é bastante longo, complexo e envolve diversos fatores e tomadores de decisão.
Quando um novo tratamento para o câncer chega ao mercado, na verdade, milhares de outros medicamentos já foram testados e descartados. O Dr. João Carapinha, PhD em Direito e Políticas Públicas, mestre em gestão, P&DM em Políticas Econômicas Públicas e diretor da Syenza, separou a criação de uma nova terapia na fase pré-clínica e clínica.
Ele explicou que, na fase pré-clínica, na primeira etapa, costuma haver, aproximadamente, entre 5 mil e 10 mil opções sendo analisadas. Dentre essas opções, os pesquisadores selecionam as que têm maior potencial e precisam de investigações adicionais. De milhares de opções, geralmente sobram apenas 250, que mostraram efeitos benéficos in vitro e podem ser eficazes em seres humanos. Delas, somente cinco chegam até a fase da pesquisa clínica, que dura anos e envolve pacientes do mundo todo.
“O custo de todas as opções que falharam durante a fase pré-clínica e as fases da pesquisa clínicas são suportados, em partes, pelo preço estabelecido para o medicamento que foi aprovado pela agência reguladora. O fator do preço de um novo medicamento é controverso não só no Brasil, mas em muitos mercados internacionais”, o Dr. Carapinha afirmou.
Barreiras da pesquisa clínica no Brasil
De acordo com o Dr. Carapinha, a questão chave para atrair pesquisas clínicas em Oncologia é como os sistemas públicos e mercados recompensam e oferecem incentivo às empresas privadas a correrem o risco de gastar milhões em pesquisa e não, necessariamente, trazer novidades no tratamento do câncer.
O Dr. Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e ex-diretor presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, pontuou que acredita ser fundamental revisitar e repensar o conjunto de regras impostas às companhias que desejam realizar uma pesquisa no Brasil.
Uma das regras já pensadas e que ele disse julgar ser necessário reconsiderar é a obrigatoriedade da farmacêutica responsável pela pesquisa fornecer a droga testada. Ou seja, a empresa que está investigando o medicamento, caso ele seja aprovado, teria que fornecê-lo para os voluntários da pesquisa para o resto de suas vidas.
“É uma boa ideia, mas que atrapalha o fornecedor do medicamento”, comentou.
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Muitas vezes as drogas recém-desenvolvidas para tratar o câncer chegam ao mercado com o preço tão alto que nem o…
Novidades no tratamento do câncer
Gabriela Sandoval da Silva, farmacêutica clínica do Hospital Israelita Albert Einstein e especialista em Oncologia e representante regional de São Paulo da Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia, a SOBRAFO, contou que toda molécula é pensada e desenvolvida a partir da necessidade do paciente.
“Seja do desenvolvimento de um tratamento inovador, ou de um novo medicamento de suporte. Só que, hoje em dia, quem tem o maior poder financiador são as indústrias farmacêuticas. Então, é uma demanda que elas identificam, investem e fazem a produção em massa”.
Segundo o Dr. Antonio Carlos Buzaid, médico oncologista, diretor geral do Centro de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, fundador do Instituto Vencer o Câncer e membro do Conselho Estratégico do Movimento TJCC, atualmente há dois pilares mais inovadores do tratamento oncológico: as terapias-alvo e os medicamentos e estratégias que melhoram o sistema imune.
Ele ressalta que apesar dessas terapias parecerem ser fáceis de aplicar e desenvolver, não são. Sendo que, geralmente, são procedimentos e medicamentos de alto custo.
“Você tem um remédio de alto custo, ele é fantástico, tem grande valor e todo mundo quer esse tratamento. Mas ele ainda não foi aprovado. Se a pessoa que aprova tivesse a doença, ia querer receber, se o pagador tivesse a doença, iria querer receber. Só que a coisa não anda até a hora que alguém recebe o diagnóstico e eu cuido desses caras”, o Dr. Buzaid falou.
Acesso ao tratamento de câncer
Por conta do alto custo que esses medicamentos e terapias podem ter, nem sempre as agências reguladoras aprovam seu uso naquele país. Além disso, mesmo quando aprovam, isso não significa que o tratamento estará disponível para todos. Assim como acontece no Brasil, onde muitas vezes pacientes do sistema privado têm a chance de fazer uso das novidades e os do sistema público, não.
“Nós temos muita gente no Brasil. Temos 45 milhões de pessoas que têm plano de saúde, isso são três Inglaterras, é muita gente. Só que, além dessa parte, nós temos 180 milhões de pessoas que dependem do SUS (Sistema Único de Saúde). Então, os problemas são amplificados quando falamos do sistema público. Existe um descompasso muito grande entre o que é oferecido para as pessoas que dependem do Sistema Único de Saúde e as que conseguem ser bancadas no sistema privado. Esse descompasso gera uma quebra na equidade”, alertou o Dr. José Francisco Comenalli Marques Júnior, médico hematologista, presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular – ABHH e membro do Conselho Estratégico do Movimento TJCC.
A farmacêutica clínica Gabriela Sandoval pontuou que grande parte da discussão que estava acontecendo no evento gira ao redor da questão se é possível oferecer tratamentos caros para toda a população sem quebrar o sistema. E a resposta, segundo ela, é não.
“Então, o que nós estamos fazendo é tentando identificar os pacientes que irão se beneficiar dessa alternativa terapêutica. Só que nós chegamos em um ponto que já identificamos esses pacientes e agora precisamos ter o acesso dessas pessoas ao medicamento”.
Ela também reforçou que não basta ter medicamento para realizar apenas o primeiro ciclo da terapia, é necessário tê-lo disponível durante todo o tratamento.
“Há mais ou menos cinco anos, nós estamos esbarrando com falta de medicamentos, às vezes, convencionais. Isso impacta no segmento do tratamento do paciente. Então além do acesso às terapias inovadoras, eu preciso garantir o acesso à terapia convencional.”
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Como oferecer acesso às novidades no tratamento do câncer?
Para o Dr. Buzaid, seria importante criar um sistema no qual determina-se um valor que a sociedade é capaz de arcar. “Dizer que a medicação não é boa é quase insultante. O Estado pode dizer que não é capaz de arcar com a medicação no SUS, mas dizer que a medicação não é boa, não é aceitável”.
Já para o Dr. Marques a solução seria nichar os grupos e necessidades.
“Tudo para todos é utópico e inviável e nada para ninguém é cruel e insano. Entre esses dois extremos é que a gente tem que arranjar uma solução. A minha solução para isso é nichar a equidade, ou seja, todos na mesma situação têm direito a mesma coisa. Quanto mais você nicha essa população específica você menos desperdiça recursos e aumenta a chance de quem realmente precisa”.
Por outro lado, o Dr. Vecina julgou que qualquer medicamento ou processo assistencial que muda a vida das pessoas deve ter acesso garantido.
“A questão do acesso é fruto do processo civilizacional. Ou nós nos civilizamos e todos têm acesso a tudo ou nós não iremos nos civilizar. Nós temos que caminhar no sentido de que a igualdade é um bem a ser perseguido pela humanidade. Então, o acesso é fundamental, nós vamos ter que sentar e discutir como resolver essa questão”.