Crenças populares, inimigas silenciosas
Última atualização em 29 de julho de 2021
Sem respaldo da ciência, elas podem prejudicar o diagnóstico precoce, interferir no tratamento e reduzir as chances de cura do câncer
O que fazer com um sintoma que pode apontar a existência de câncer? Como agir diante de um diagnóstico que comprova aquilo que tanto se temia? Quando a realidade se torna difícil demais de ser enfrentada com calma e prudência, rever crenças escondidas há gerações no baú das memórias coletivas pode ser um alento, uma esperança para um futuro espinhoso e desconhecido. Câncer? Só quem tem histórico familiar. Nódulos, gânglios inchados, dores? Um chá pode melhorar. É maligno? Uma cirurgia espiritual resolverá?
Mitos e crenças populares podem ser, segundo especialistas, inimigos do paciente oncológico. Todas as respostas às perguntas ao lado e acima seriam maravilhosas casos tivessem, comprovadamente, eficácia contra a doença. Entretanto, o problema é que acreditar apenas em curas milagrosas ou em receitas caseiras pode retardar o diagnóstico. E até interferir no tratamento, prejudicando a qualidade de vida do paciente.
A chave para amenizar esses riscos, de acordo com os especialistas, é a informação. De acordo com o oncologista do Grupo de Oncologia D’Or, Daniel Herchenhorn, é fundamental separar a crença do que é cientificamente comprovado. Daí a importância de se buscarem informações em fontes confiáveis, chanceladas por estudos e avaliadas pelas agências reguladoras da saúde no país.
“ É claro que a ciência não é capaz de explicar tudo.Mas precisamos basear o tratamento em evidências médicas, em estudos que comprovem que determinado medicamento é eficaz”, afirma Daniel
Mais do que os mitos sobre prevenção, sintomas e causas do câncer, a cura para a doença é o que costuma provocar as teorias mais inusitadas, as receitas mais inesperadas. Babosa, cartilagem de tubarão, casca de banana, romã, chás. Seria impossível contabilizar quantas receitas milagrosas ou tratamentos alternativos já apareceram.
A espiritualidade dos pacientes e familiares também é uma parte fundamental do processo de tratamento. Conhecidos de quem lida com a realidade do câncer, os benefícios da fé podem ser, muitas vezes, comprovados. Alias, estudos já apontaram: pessoas que acreditam em forças superiores, independentemente da orientação religiosa, podem enfrentar o tratamento de forma mais otimista e positiva, o que contribui para a qualidade de vida do paciente.
“Normalmente, isso não é um problema. Ruim mesmo é quando a pessoa retarda o diagnóstico, posterga ou até abandona o tratamento por alguma promessa milagrosa ou à base de ingredientes naturais ou ainda desconhecidos da ciência”, diz o Dr. Daniel.
Por mais incrível que possa parecer, não são incomuns os casos de pessoas que trocam o tratamento convencional pelo alternativo. É o que revela Sérgio Jobim de Azevedo, oncologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“Os modismos chegam com força ao consultório, prometendo milagres. Lembro das ondas da cartilagem de tubarão e da babosa. Normalmente, essas alternativas não fazem mal. Desde que sejam sempre discutidas com o médico e que o paciente não interrompa o tratamento convencional”, alerta.
Prevenir ainda é a melhor terapia
Pesquisar novas substâncias e testá-las para que se tornem uma opção de tratamento confiável custa tempo e dinheiro, lembra o Dr. Daniel Herchenhorn. Dessa forma, muitas substâncias que são, de fato, promissoras, acabam demorando anos para se tornar remédios. Por isso, a melhor terapia ainda é a prevenção.
Manter hábitos saudáveis de vida, como controlar a alimentação e praticar exercícios físicos, é um passo importante. Além de evitar drogas, cigarro e álcool e realizar os exames preventivos também é a garantia de uma saúde melhor. “O homem que faz o exame na próstata e a mulher que realiza a mamografia estão cuidando mais da saúde do que quem toma pílulas milagrosas. Se os primeiros tiverem câncer, descobrirão a doença em fase inicial e suas chances de cura serão muito grandes. A prevenção é, comprovadamente, a melhor estratégia contra o câncer”, afirma.