Como falar sobre o câncer?
Última atualização em 20 de abril de 2022
É direito do paciente saber o seu prognóstico. Mas o médic o precisa ter responsabilidade ao dar a notícia
“Você tem um câncer” pode ser uma das falas mais impactantes que uma pessoa pode receber. Isso porque ainda há muito estigma com relação à doença e, claro, também pela gravidade que alguns tipos podem representar. Mas agora vamos fazer um exercício contrário e nos colocar na posição do médico: é sempre necessário falar a verdade para o paciente? Ou nem tudo precisa ser dito, para privá-lo de sentimentos como medo e angústia?
De acordo com o Código de Ética da Medicina, é vedado ao médico “desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”; “deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”; “exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos”.
Sendo assim, é necessário que o médico, por mais difícil que a notícia seja, comunique o paciente sobre tudo o que envolve o prognóstico do câncer – seja ele grave ou não. Agora, isso não significa que esse momento precisa ser frio e sem cuidado algum.
“A comunicação deve sempre ser clara, objetiva e realizada dentro de um contexto de cumplicidade e acolhimento. As palavras devem ser concatenadas com tranquilidade e pausadamente, e sempre deve-se partir de que o paciente já sabe sobre sua situação atual. Todos os
envolvidos devem estar acomodados confortavelmente e deve haver tempo livre para que todos possam se expressar e esclarecer dúvidas. Dar o diagnóstico é, sem dúvida, um dos pontos mais difíceis da prática oncológica e implica em um exercício empático intenso”, explica o Dr. Felipe Moraes, oncologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.
Contar ou não contar para a família?
Quando o paciente é menor de idade, a presença de um responsável legal é obrigatória no momento do diagnóstico e também nas decisões sobre o tratamento. Agora, quando trata-se de um paciente adulto, lúcido e com posse de suas faculdades mentais, contar para a família a respeito do câncer deve ser opcional.
“A decisão é do paciente e ele é quem decide se a família deve ou não ter acesso às informações de sua saúde. Mas, particularmente, sempre incentivo os meus pacientes a falarem abertamente com os seus familiares sobre o diagnóstico e sobre o tratamento do câncer. A família tem papel social, afetivo e até jurídico em várias etapas do processo terapêutico e deve sempre compor o conjunto de pessoas envolvidas nas estratégias de cuidado”, diz o Dr. Felipe.
Contar com o apoio da equipe de Psicologia também pode ajudar bastante no momento do diagnóstico e durante toda a terapêutica. Muitas vezes, falar a respeito da doença ajuda e muito a lidar com os sentimentos que podem surgir.
Doutor, quanto tempo de vida eu tenho?
Embora a ciência tenha avançado muito nos últimos anos e venha trazendo opções de medicamentos bastante eficazes no combate ao câncer, com chances de remissão completa e até mesmo a cura, essa é uma pergunta ainda comum nos consultórios, quando uma doença grave é diagnosticada. E, mais uma vez, essa é uma informação que não deve ser escondida do paciente. Entretanto, detalhar o tempo estimado de vida (se dias, meses ou anos) também não é o caminho correto a ser seguido…
“O médico não pode dar essa informação, simplesmente porque ele não a detém. Não é correto prognosticar tempo de vida na particularidade de um indivíduo, pois o que temos de dados são sempre medianas estatísticas que se aplicam a populações e não a pessoas isoladas. Porém, existem circunstâncias nas quais previsões de tempo são requeridas pelo paciente para que possa planejar e organizar determinadas questões sociais, profissionais e afetivas. E aí sim, nessas situações, as estatísticas prognósticas podem ser usadas, mas nunca como sendo um dado definitivo”, fala o doutor.
Para além do câncer
Por muito tempo usou-se o termo “desenganar” para aqueles pacientes em estadiamento avançado, sem mais opções terapêuticas para a sua condição. Mas, de acordo com o Dr. Felipe Moraes, essa palavra deve ser completamente abolida do vocabulário oncológico. Isso porque, hoje, o paciente precisa ser sempre visto de uma maneira integral, e não apenas pela doença que apresenta.
“O término das opções terapêuticas oncológicas não deve ser entendido como o término do processo de cuidado. Médicos e profissionais de saúde não assumem compromissos éticos de curar todas as pessoas, mas, sim, de cuidar delas, até o final, com todos os recursos disponíveis. Reconhecer a finitude e as limitações da medicina é um dos primeiros passos para o desenvolvimento de processos de cuidado cada vez mais completos e humanizados”, finaliza o médico.