Judicialização: nem problema nem solução
Última atualização em 29 de julho de 2021
Esse é um processo que tem sido utilizado por muitas pessoas como forma de buscar os seus direitos. Mas ele não pode ser considerado uma solução
A Constituição brasileira de 1988 garante a todos o direito de ter acesso à saúde. O trabalho do Estado é promover isso por meio de políticas sociais e econômicas para diminuir o risco às doenças. Além de também se certificar que o acesso a esses serviços seja igualitário.
Dessa forma, toda a população brasileira tem que ter acesso a médicos, exames, consultas e, inclusive, medicamentos. Isso tudo deve estar a uma distância razoável da pessoa e disponível continuamente de acordo com as necessidades. Entretanto, é importante que o gestor do sistema de saúde tenha capacidade de pagar os custos dos serviços. E nem sempre isso é possível.
Nesse contexto que a judicialização da saúde aparece.
O que é a judicialização da saúde?
Rodrigo Araújo, advogado especialista nas áreas da Saúde e Medicina, explica que judicializar é entrar com uma ação na justiça.
“Judicializar é o ato de buscar o Poder Judiciário para a solução de um conflito. Entretanto a expressão ganhou destaque nos últimos anos. Hoje, tem um significado mais amplo, que pressupõe um grande volume de ações judiciais relacionadas a uma determinada causa. Como é a judicialização da Saúde”.
Um dos exemplos de judicialização da Saúde que mais acontecem no Brasil, é a judicialização de medicamentos. Se a lei define que um medicamento tem que ser fornecido e o responsável pela distribuição não cumpre, um direito é violado. Isso legitima o paciente a requerer o medicamento por meio de uma ação judicial.
“Não faz diferença se o motivo da ação é a negativa de custeio, porque o remédio é de alto custo, ou se é porque está em falta. Ambas as situações podem violar o direito do paciente”, Rodrigo afirma.
Ele ressalta que existem teses elaboradas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que tratam sobre a cobertura de medicamentos pelo SUS. Essas teses servem como diretrizes para os juízes que são obrigados a decidir de acordo com elas.
A primeira tese diz respeito às judicializações de medicamentos não incorporados no SUS. O juiz pode determinar que o remédio seja oferecido se três requisitos forem preenchidos. 1) relatório médico que destaque a necessidade desse tratamento e, especialmente, a ineficácia dos outros disponíveis; 2) incapacidade financeira do paciente de arcar com os custos e 3) comprovação de que o medicamento tem registro na Anvisa.
A segunda tese está relacionada a medicamentos que não têm registro na ANVISA. “O STF também já definiu tese que é indevida a cobertura de medicamento sem registro pela Anvisa”, Rodrigo diz.
Como é o processo da judicialização da saúde?
Rodrigo indica que antes de entrar com o processo no Poder Judiciário, o paciente pode tentar outros meios. Para isso, é preciso ter a cópia ou foto legível de todas as declarações mesmo que não saiba se elas serão necessárias.
“Mantenha um arquivo com cópia dos pedidos médicos, relatórios, laudos de exames, prontuários, agendamento de consultas, formulários de pedido de medicamentos de alto custo, comprovante de retirada de medicamentos, etc.”
Ao ter algum problema, reclame e registre por escrito. É possível falar com um assistente social, ouvidoria do prestador de serviço em que o tratamento está sendo realizado e secretário da saúde municipal ou estadual. O paciente deve sempre lembrar de anotar o nome das pessoas com quem conversou, dos protocolos e datas.
Se essas ações não forem suficientes, o paciente tem o direito de entrar com a judicialização.
“Se o valor do tratamento for de até 60 salários mínimos, ele poderá se socorrer do Juizado Especial da Fazenda Pública. Entretanto, se não puder pagar por um advogado, poderá procurar a Defensoria Pública”, aconselha Rodrigo.
Se comprovado o direito e a necessidade do paciente de iniciar imediatamente o tratamento, uma liminar pode ser requerida. O juiz responsável tem até três dias úteis para dar uma resposta. Dessa forma, se ela for positiva, o Estado tem que disponibilizar o tratamento.
Entretanto, o processo não termina aí!
O Poder Público tem o direito de se defender e a ação seguirá com as demais etapas até estar “maduro” o bastante. Somente após isso, o juiz apresenta sua decisão final, chamada de sentença. Essa burocracia pode durar cerca de 2 anos e meio.
É possível recorrer a decisão do juiz?
De acordo com o Rodrigo, “cabe recurso de agravo de instrumento, contra decisão, que indefere a liminar e de apelação contra a sentença do juiz de primeira instância”.
Na verdade, tanto o paciente quanto o Estado podem recorrer caso estejam insatisfeitos com a sentença. Dessa forma, a outra parte apresenta sua defesa e o processo irá para o Tribunal de Justiça. Em seguida, três desembargadores irão reavaliar a decisão do juiz, podendo mantê-la integralmente, modificá-la parcialmente ou completamente.
“O importante é que, com a liminar, o paciente já tem acesso ao seu tratamento desde o início da ação”, diz Rodrigo. O principal risco da liminar é que caso o processo seja negado, o Poder Público pode cobrar o valor que teve que gastar com a liminar. Entretanto, isso só acontece se a liminar for caçada.
Como a judicialização da saúde afeta o governo?
A judicialização, além de poder ser um processo muito cansativo para o paciente, também não é a solução ideal para o Estado.
Rodrigo afirma que esse processo causa um grande impacto financeiro para o governo. Entretanto, ele acredita que esse tipo de ação só tem sido necessária devido à falta de regulamentação adequada.
“Quanto melhor atualizada e adequada é a regulamentação, menor a judicialização. O problema é que o Estado não quer assumir nenhuma das duas contas. Assim como a da regulamentação e tampouco a da judicialização que decorre, justamente, da ineficácia do Poder Público em cumprir a Lei que lhe foi endereçada”, ele considera.
De acordo com ele, o Poder Judiciário funciona como um termômetro para as alterações necessárias na regulamentação. Ter uma grande quantidade de ações a respeito de um mesmo tema, indica que são necessárias melhorias na regulamentação para diminuir os processos judiciais.
Além disso, ele considera que evitar o desperdício também poderia ser uma forma de diminuir esses processos. Não só devido ao vencimento, mas também por conta da demora na entrega por parte do Estado. Para pacientes oncológicos, isso pode significar uma regressão no tratamento, tendo que reiniciá-lo. Ou ainda, trocar por outro mais caro em razão da progressão da doença causada pela falta do remédio.
Rodrigo ainda comenta que para diminuir as ações de judicialização também é importante manter a lista de medicamentos incorporados no SUS atualizada. Bem como o incentivo da contratação de planos de saúde por mais usuários.
“Um último ponto importante que pode ajudar a diminuir a judicialização é a criação de meios que incentivem a contratação de planos de saúde por mais usuários. Entretanto, as propostas relacionadas a esse tipo de demanda são extremamente ruins e esperamos que não sejam aprovadas” finaliza Rodrigo.
Nós queremos o melhor tratamento
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