Nem todos os novos tratamentos para o câncer poderão ser incorporados
Última atualização em 10 de novembro de 2022
No terceiro encontro do evento Diálogos em Oncologia, especialistas falaram a respeito da capacidade do orçamento público versus o preço e o valor dos medicamentos
O sistema de saúde brasileiro pode estar chegando no limite da incorporação de novos tratamentos para o câncer, principalmente por conta do alto custo das terapias. Atualmente, há uma grande discussão sobre como deve ser feita a precificação desses procedimentos inovadores. Isso tem acontecido porque, para os pacientes, o valor de uma nova esperança vale qualquer preço, mas o orçamento do Estado não consegue cobrir tudo.
Romilson de Almeida Volotão, mestre em Direito da Regulação e LL.M em Direito do Estado e da Regulação, ambos pela Fundação Getúlio Vargas. Secretário Executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, explica a diferença entre preço e valor.
“Precificação a gente consegue analisar com alguma tranquilidade, agora a atribuição de valor já entram questões filosóficas. Para a precificação é feito um documento informativo de preço, que é o pedido de preço encaminhado à CMED. Já o valor que os medicamentos têm, é uma questão filosófica. Para o paciente, é tudo, é a vida dele, para o Estado, é um valor financeiro, que tem que ser avaliado.”
Romilson esclarece que o CMED tem um processo, no qual são feitas diversas avaliações, para definir o preço de uma nova tecnologia em saúde. Entretanto, ele contou que nem todas as novas terapias se enquadram nessa metodologia por serem muito inovadoras, como é o caso do CAR-T Cell.
“Se é um tratamento avançado, a gente usa o caso omisso, que é quando não se enquadra em nenhuma das categorias. Nesse caso, aí é construído um racional que vai estabelecer o racional da logística de preço. A 1ª terapia avançada, que é uma terapia fora da curva, a CAR-T, foi recentemente precificada como marco omisso. A gente está numa curva de aprendizado, há uma dificuldade de precificar, por conta do alto custo, e por ser uma inovação disruptiva. Ela cria um novo paradigma.”
Para o Dr. Sandro Martins, oncologista clínico, e doutor em Ciências (Pneumologia) pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e consultor em Oncologia no Hospital Universitário de Brasília e na Rede D’or, a sustentabilidade econômica é um dos grandes desafios para a incorporação de novas tecnologias.
“Toda incorporação gera uma despesa adicional para o Ministério da Saúde (MS), que precisará implementar essa política, sem a garantia haverá recurso adicional para fazer frente à nova tecnologia.”
Acesso a medicamentos de alto custo não é o único problema
“Imagine que a gente consiga aumentar o orçamento do SUS, o problema do acesso ao tratamento continua. Isso acontece porque tem uma grande quantidade de pacientes que têm dificuldade de diagnóstico. Nós temos que olhar o todo, não dá para focar só no acesso a tecnologia. Certamente, a adição de recursos é importante, mas a gente precisa gerenciar os recursos para que o todo seja beneficiado”, Paulo Hoff, professor Titular da FMUSP, Presidente do ICESP, Presidente da Oncologia D’ Or, membro titular da Academia Nacional de Medicina e Presidente da SBOC, pontua.
Há uma contradição entre o que a Constituição brasileira determina e o que o Estado consegue oferecer, de acordo com Antonio Britto Filho, diretor Executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e Ex-Diretor Executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
“Com base na decisão de construir o SUS, com a ideia que a saúde é direito de todos, há uma natural expectativa que não há valor maior que a vida e é dever prover esses recursos. Mas, a instrumentalização existente no Brasil não é exatamente adequada. Temos um orçamento para atender a Constituição? Não. Temos mecanismos para suplementar a saúde suplementar quando o custo ultrapassa o valor pago? Não. O sistema vive, portanto, um desarranjo estrutural. Tem como alma a generosidade, com um orçamento que não prioriza a vida.”
Britto também fala que o movimento de lutar pela inclusão e pelo acesso de terapias oncológicas inovadoras é válido. Mas, que a Oncologia, foi a área que teve mais conquistas nos últimos anos.
“Nós não podemos perder de vista a questão do conjunto. Temos limites não por conta do que pode ser oferecido na área da Oncologia, mas em qualquer área. Há uma crise sistêmica para ampliar a atenção primária, para ampliar a questão. O eixo dessa luta não pode ser apenas o de conquistas específicas para a Oncologia, todos devem lutar juntos para reforma do sistema.”
CAR-T Cell no Brasil: quem pode fazer?
A terapia chegou como uma promessa de revolucionar o tratamento onco-hematológico. Mas, o acesso a ela ainda está bastante restrito
Participar de pesquisas clínicas possibilita acesso a novos tratamentos para o câncer
“Tudo que a gente teve de novo no mercado, passou pela pesquisa clínica. Mas, o Brasil participa somente de 2% delas, um pedaço pequeno. Hoje a gente tem estudos que dizem que podemos chegar a 5%. Isso significa um grande aumento de acesso e representa o envolvimento de muitos mais pacientes”, Fernando de Rezende Francisco, professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Gerente Executivo da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro), informa.
Segundo Fernando, ao dobrar a quantidade de estudos clínicos, estima-se que, por ano, 50 mil pacientes a mais terão acesso ao tratamento.
“Carecemos de políticas de estado permanentes”, pontuou.