Atendimento ambulatorial e hospitalar dos pacientes de leucemia no Brasil
Última atualização em 28 de julho de 2021
O Observatório de Oncologia realiza análise quantitativa sobre o panorama do atendimento ambulatorial e hospitalar das pessoas diagnosticadas com esse tipo de câncer hematológico
Por Nelson Correa, pesquisador da Abrale e Observatório de Oncologia
Leucemia é um grupo heterogêneo de cânceres hematológicos caracterizado pelo crescimento descontrolado e maligno de leucócitos ou seus precursores, no sangue ou na medula óssea. Este grupo é composto por vários subtipos que são biologicamente distintos e com características clínicas e prognósticos diferentes.
De acordo com a origem das células neoplásicas e o seu grau de diferenciação, a leucemia é classificada em quatro tipos principais: leucemia mieloide aguda (LMA), leucemia mieloide crônica (LMC), leucemia linfoide aguda (LLA) e leucemia linfocítica crônica (LLC). Por se tratar de um grupo heterogêneo de doenças, no qual cada subtipo apresenta características clínicas e prognósticos diferentes, o tratamento da leucemia é muito amplo e complexo.
Contudo, a despeito desta complexidade, nas últimas décadas, o melhor entendimento da fisiopatologia da doença e de seus diferentes marcadores genéticos e moleculares (inclusive dentro de um mesmo tipo de leucemia), propiciaram o desenvolvimento de novos medicamentos e uma significativa melhora no tratamento da doença. E os avanços terapêuticos resultaram no aumento da sobrevida e da qualidade de vida destes pacientes.
Um dos tratamentos mais efetivos para a leucemia, e que também evoluiu muito, é o transplante alogênico de células tronco hematopoiéticas. O TCTH é um procedimento que envolve múltiplas etapas, mas de forma sucinta, compreende a coleta de células tronco hematopoiéticas (CTH) de um doador compatível (pode ser feita por meio da punção da medula óssea, do sangue periférico ou ainda do cordão umbilical) e administração das CTH no paciente receptor para que ocorra o repovoamento de sua medula óssea.
No caso de o doador compatível ser irmão do paciente, as chances de compatibilidade entre o doador e o receptor são maiores e, neste caso, o transplante é denominado alogênico aparentado. Se o doador não for familiar, o transplante é denominado alogênico não-aparentado e o risco de rejeição do transplante é maior.
Diversos estudos brasileiros apresentam o aumento da sobrevida dos pacientes com leucemias decorrente dos avanços no tratamento farmacológico e TCTH. No entanto, estes são estudos clínicos com amostra pequena e pouco representativos do atendimento prestado em todo o país. No Brasil são escassos os estudos nacionais de base populacional sobre o tratamento da leucemia e estas informações são essenciais para o planejamento de políticas públicas que visem minimizar a morbimortalidade da doença. Diante disso, o objetivo do presente estudo foi avaliar o panorama do atendimento hospitalar e ambulatorial dos pacientes com leucemia no SUS, entre 2009 e 2018, de acordo com cada um dos subtipos e características dos pacientes.
Metodologia:
Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo, baseado em dados secundários e abertos disponibilizados pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Foram utilizadas as informações das bases das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC) de Quimioterapia do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA-SUS) e da base das Autorizações de Internações Hospitalares (AIH) do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS).
Resultados:
No ambiente ambulatorial, entre 2009 e 2018, foram atendidos 72.682 pacientes únicos, com crescimento de 54%, passando de 15.815 pacientes atendidos em 2009 para 24.295 pacientes em 2018 com uma média de 20.207 pacientes atendidos por ano. Neste período, os números de pacientes/ano e de novos pacientes cresceram, em média, 4,8% ao ano.
Quando avaliamos a evolução do número de pacientes tratados em nível ambulatorial, de acordo com a faixa etária, evidenciamos que o número de pacientes/ano e pacientes novos entre 0 e 19 anos cresceram, em média, 1,2% ao ano.
Na faixa etária de 20 a 49 anos, houve aumento dos números de pacientes/ano de, em média, 5,2%, e o de novos pacientes de, em média, 2,3% ao ano. Na faixa etária de 50 anos ou mais, os números de pacientes/ano e novos pacientes cresceram, em média, 6,6% ao ano e 3,8% ao ano, respectivamente.
Os dados completos podem ser vistos em: https://observatoriodeoncologia.com.br/panorama-do-atendimento-ambulatorial-e-hospitalar-dos-pacientes-diagnosticados-com-leucemia-no-brasil-uma-analise-quantitativa/
Discussão:
Este estudo apresenta o cenário do atendimento dos pacientes com leucemia no âmbito do SUS, de 2009 a 2018, tanto em nível ambulatorial quanto hospitalar, de acordo com os subtipos de leucemia e características dos pacientes. O crescimento observado do número de pacientes atendidos a cada ano, em ambos os níveis de atenção, pode ser reflexo tanto da migração de pacientes do atendimento na saúde suplementar para o SUS, percebido em situações de crise econômica, como devido ao aumento da incidência de leucemias.
Segundo estimativas do INCA, a taxa de incidência de leucemias, ajustada pelo sexo, no Brasil, cresceu de 4,97 para 5,14 casos por 100 mil habitantes, de 2009 para 2018. Em valores absolutos, houve um crescimento de, aproximadamente, 13% no período ao passo que o total de pacientes atendidos no SUS, em valor absoluto, cresceu 54% no ambiente ambulatorial e 37% no ambiente hospitalar de 2009 para 2018.
O número de pacientes únicos em nível ambulatorial (72.682) foi inferior ao número de atendimentos no nível hospitalar (80.860). Na contagem do número de pacientes é importante destacarmos que na base das APAC é possível identificar os pacientes a partir do código criptografado do CNS, porém, na base das AIH a contagem dos pacientes foi realizada a partir da combinação das variáveis sexo, data de nascimento e cep de residência do paciente. Desta forma, não é possível identificar os pacientes que foram tratados em ambos os níveis de assistência. Além disso, possíveis erros de preenchimento de algumas das variáveis da base das AIH podem levar à superestimação do número pacientes únicos atendidos em nível hospitalar.
Embora o número de hospitalizações por leucemia tenha aumentado no período, observou-se uma considerável redução da proporção de hospitalizações que evoluíram a óbito, o que pode ser explicado pelo aumento da sobrevida decorrente dos avanços terapêuticos A redução da mortalidade hospitalar evidenciada neste estudo sugere que houve melhorias nas condições de tratamento e suporte para esses pacientes, corroborando com a tendência de estabilização da taxa de mortalidade por leucemias identificada em estudo recentemente publicado no Observatório de Oncologia.
Além da queda na proporção de óbitos em todas as hospitalizações por leucemias, o Brasil também apresentou uma importante redução na proporção de transplantes que evoluíram a óbito na hospitalização. No acumulado do período analisado, houve uma redução de cerca de 75% da proporção de hospitalizações por TCTH que evoluíram a óbito, o que demostra uma grande evolução no manejo do TCTH. Embora a proporção de óbitos nas hospitalizações por transplantes não implique diretamente na pega do transplante e, consequentemente, na sobrevida do paciente, evidências da literatura indicam que a prevenção de complicações clínicas durante a hospitalização contribui para o aumento da sobrevida em longo prazo dos pacientes.
A redução na proporção de óbitos tanto nas hospitalizações gerais como para TCTH demostram que, neste período, houve avanços no tratamento dos pacientes com leucemia, com provável aumento da sobrevida. No entanto, a redução do número de pacientes transplantados demonstra que ainda há muito o que avançar para a melhoria da qualidade da atenção e principalmente o acesso ao tratamento pelos pacientes com leucemia.
Considerações Finais:
Os resultados do presente estudo apresentaram um panorama amplo do tratamento da leucemia no Brasil entre 2009 e 2018. Contudo, os registros disponíveis não permitem avaliar a jornada do paciente, identificando os diferentes locais de atendimento por onde passa, nem tão pouco as complicações e/ou os desfechos de seu tratamento, ou seja, os registros disponíveis não permitem que se avalie dados de mundo real, sobrevida e qualidade da atenção prestada.
É urgente que se crie um registro nacional de câncer, para assim possibilitar o monitoramento do atendimento prestado com o objetivo de buscar sua melhoria contínua.
Para ter acesso ao estudo completo clique aqui.