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A sexualidade também é importante durante o câncer

Homem e mulher deitados na cama
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Última atualização em 14 de outubro de 2021

Entender como lidar com este processo pode gerar uma grande melhora na qualidade de vida do paciente. Para tal, manter um diálogo aberto em casal, e com o médico, é fundamental

Escrito por: Natália Mancini

A sexualidade e o câncer são duas questões que estão altamente ligadas, uma vez que é comum encontrar pacientes oncológicos que apontam ter perda de libido durante o tratamento. 

Em uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), com mais de 1300 pacientes de linfoma, 83% dos entrevistados apresentaram perda de libido e/ou dificuldade no sexo. Apesar de ser um efeito colateral frequente, esse é um assunto que raramente é trabalhado, especialmente durante as consultas com o onco-hematologista. Mas há diversas formas de estimular tanto a sexualidade quanto a libido nesse período, seja de maneira solo ou em casal. 

É importante ressaltar que, apesar da pesquisa ter sido realizada com pacientes de linfoma, a perda de libido durante o tratamento é algo presente para quase todos os tipos de neoplasias malignas. O Dr. Ricardo Helman, hematologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, conta que os principais motivos para esse efeito colateral acontecer são os quadros de fadiga, anemia e inflamação crônica. 

Como nos linfomas são utilizadas quimioterapias com efeitos similares às utilizadas para outros tipos de tumores, os motivos são quase os mesmos. A diferença é que “na prática médica, os linfomas e leucemias são doenças que devem ser tratadas rapidamente, com alto risco de morte se não tratados. Nessa situação emergencial as questões relacionadas à sexualidade acabam ficando em segundo plano. No caso dos linfomas indolentes, quando temos mais tempo para tratar os pacientes, acabamos levando essas questões em conta”, o Dr. Helman explica. 

Entretanto, mesmo que não seja possível trabalhar a sexualidade durante o  câncer com o médico responsável pela terapia medicamentosa, há outras formas de fazer isso.

O que é a sexualidade?

Primeiramente, é importante entender que a sexualidade vai muito além do ato sexual, especialmente o ato com penetração. De acordo com a Drª. Clara Pereira, fisioterapeuta pélvica e doutora em sexualidade, “está relacionada a uma energia que nos faz buscar algo que nos dá prazer, independentemente do tipo de prazer, não necessariamente prazer sexual e atividade sexual. Por exemplo comer, dormir, amar, namorar. Todo indivíduo tem sexualidade desde que ele deseje obter algum tipo de prazer. ”

Mulher feliz com a sua sexualidade

Isto é, a função e o ato sexual estão dentro do campo da sexualidade, são uma das maneiras de buscar prazer. Mas não as únicas.

A sexualidade é, inclusive, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos fatores essenciais para a qualidade de vida do ser humano. Isso acontece porque a pessoa precisa estar bem com a sua orientação sexual, identidade de gênero e afins para poder estar bem consigo mesmo e, consequentemente, ter uma boa qualidade de vida.

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A sexualidade e o câncer

Como falado anteriormente, a sexualidade raramente é uma prioridade durante o tratamento oncológico, mesmo sendo uma questão frequente na vida dos pacientes. Mas é algo que acontece – seja por motivos relacionados aos medicamentos, psicológicos ou até mesmo à forma que a sociedade construiu e enxerga o prazer sexual – e que é preciso falar sobre. 

Homem com problemas sexuais

“Dependendo do tipo de câncer que a pessoa tem, a falta de libido vai acontecer ainda mais, porque no câncer ginecológico, por exemplo, a mulher pode ter uma estenose vaginal e ressecamento da vagina. Já no câncer de próstata, o homem retira a próstata. Então, ele pode ter uma disfunção erétil, um desejo sexual hipoativo, para de ejacular e ele acha que o orgasmo está relacionado a isso e não está”, a Drª. Clara esclarece.

É sempre importante lembrar que o prazer sexual é um dos componentes da sexualidade. Assim, há outros fatores que podem ser trabalhados. 

“Geralmente, as pessoas relacionam sexualidade com ato sexual em si. Só que a sexualidade não está ligada, exclusivamente, ao sexo, mas sim ao bem-estar dessa pessoa. Então, é importante ela se sentir feminina, se sentir masculino, não deixar de lado os cuidados pessoais. Como uma maquiagem, como o uso de um batom, cuidados próprios, a autoestima. É fundamental trabalhar isso, porque a sexualidade está relacionada com qualquer prazer. Dessa forma, se esse paciente tiver vontade de comer alguma coisa, que esteja autorizado, coma, isso é sexualidade. É preciso olhar para si e ver que tem vida. E se há vida, há sexualidade”, a fisioterapeuta diz.

Sexo e câncer: redescobrindo o prazer

Dar o primeiro passo pode ser algo difícil, bem como reaprender quais são os toques e ações que trazem prazer, uma vez que nem tudo que gerava satisfação antes do tratamento continua gerando durante esse período. Então, a doutora em sexualidade aconselha buscar formas de retomar a intimidade a dois, por meio de uma massagem, um carinho ou tomar banho juntos, por exemplo. 

Homem e mulher deitados abraçados na cama

“O fato de estar presente ali no momento, um curtir o outro, fazer um carinho, demonstrar um carinho e uma atenção, isso são fontes de prazer”, pontua.

Para aqueles pacientes que se sentem confortáveis e têm vontade, também há algumas formas de buscar e estimular o prazer sexual. A Drª. Clara lembra que a relação sexual não, necessariamente, precisa envolver a penetração. É possível ter prazer estimulando outras áreas do corpo.

“Nós podemos estimular a libido de várias formas, tanto para o homem quanto para a mulher. Nós podemos estimular por meio de leituras eróticas, filmes eróticos não pornográficos e de alguns recursos que eu gosto de chamar de ‘recursos alternativos’. Por exemplo, o bullet, que é um estilo de vibrador cuja forma não é fálica e que acaba estimulando outras regiões. Porque, apesar de nós termos o órgão genital, o maior órgão  sensorial do nosso corpo é a pele. Então nós temos várias áreas erógenas, assim podemos redescobrir e estimular o prazer em várias regiões. Como estimular a mama, tanto do homem, quanto da mulher, a orelha etc. Por isso a importância do toque, de um autoconhecimento e de um tocar o outro e o que lhe dá prazer. ”

O papel da parceria na sexualidade durante o câncer

Independentemente de quem seja essa parceria, ele(a) tem um papel muito importante nesse processo de redescobrir o prazer. A Drª. Clara reforça que as preliminares não começam na cama, então o resgate da sexualidade tem início no dia-a-dia e na rotina um com o outro. 

Casais se abraçando

“O jeito que fala, a forma que trata, a forma que conversa, o carinho, o gesto, é fundamental observar isso e procurar ver o quanto a pessoa está aberta. É importante também o paciente oncológico se permitir e estar aberto para receber um carinho, um afago, um estímulo não necessariamente sexual, mas que possa se tornar, depois, algo sexual”, ela aconselha.

Entretanto, por outro lado, é essencial a parceria também compreender caso o(a) paciente não queira ter relação. Por esse motivo, o diálogo e a conversa são essenciais para que os dois possam se entender, ser receptivos e a parceria conseguir, efetivamente, ajudar a resgatar essa intimidade e a sexualidade.

“Eu acredito que a base de tudo vai estar no diálogo entre os dois e também o quanto que o paciente vai estar receptivo a receber esses estímulos”, a especialista pontua.

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Conversando sobre a sexualidade e o câncer

Além da parceria, outra pessoa muito importante para conversar sobre essas questões é o(a) médico(a) responsável por acompanhar o tratamento. Mas, para algumas pessoas, essa conversa pode ser constrangedora e, por isso, elas optam por deixar esse assunto de lado. Outra situação comum é o(a) oncologista também não abordar essas questões e, dessa forma, cria-se uma barreira.

Homem conversando com médico sobre sexualidade e câncer

O Dr. Ricardo Helman crê que esse muro pode ser derrubado ao “estreitar a relação médico-paciente, com tempo maior de consulta e empatia por ambas as partes envolvidas no processo. ”

A Drª. Clara Pereira acredita que outro fator fundamental é quebrar o tabu de falar sobre sexo e sexualidade na sociedade.

  “Cada vez mais a gente está se especializando, buscando conhecimento e encarando, olhando com um olhar diferenciado para a sexualidade. Então, precisamos nos despir de todo preconceito, buscar conhecimento, respeitar o outro e, principalmente, mostrar para o(a) paciente que ele(a) está vivo e enquanto há vida, há sexualidade. Enquanto há vida, ele pode viver da melhor forma possível, então precisamos buscar isso e passar para o(a) paciente. E caso o(a) profissional não saiba passar essa informação, se ele souber encaminhar para o especialista adequado, já ajuda bastante”, diz.


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