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“Luta contra o câncer”, para alguns, pode ser mais que uma simples expressão

Mulher com câncer deitada com expressão pensativa
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Última atualização em 14 de setembro de 2021

Não é nem certo nem errado falar dessa forma, mas é preciso estar atento como essa fala pode ser internalizada

Alguns termos, como “luta contra o câncer”, “atacar as células”, “sobrevivente” e outros, estão presentes no dia-a-dia dos pacientes oncológicos – seja no consultório médico, durante uma explicação sobre a doença e seu tratamento, seja no meio social e até mesmo na mídia. É muito comum que, por exemplo, quando algum(a) famoso(a) morre devido a um tumor, as notícias digam que ela(a) “perdeu a batalha”. Por um lado, a utilização dessas expressões pode facilitar o entendimento. Mas, por outro, também pode desviar o foco principal, que é se cuidar, além de, possivelmente, trazer diversas questões psicológicas.

Acredita-se que o uso de metáforas de guerra para falar sobre neoplasias malignas teve início quando o ex-presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Richard Nixon, declarou a “Guerra Contra o Câncer” em 1971. A ideia era impulsionar as pesquisas de novos tratamentos para acabar com essa doença, que, nas palavras do ex-presidente, era um “inimigo implacável”.

Fábio Gomes, psicólogo da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), conta que vivencia há anos esse tipo de expressão tanto nos hospitais em que trabalhou, quanto nos atendimentos que faz na instituição. Ele considera que essas falas e questionamentos são estruturais e merecem reflexão.

“Infelizmente se trata de algo que, por um lado é positivo, mas por outro é negativo. Ninguém quer ‘perder’, é algo construído e solidificado socialmente. Com certeza, para compreensão do paciente este termo é bem claro, todavia gera um turbilhão de emoções e sentimentos negativos, sendo comum pensar ‘onde que eu errei?’, ‘não sou merecedor’ entre outras, podendo levar a sintomas depressivos e ansiógenos”, ele relata.

O que a “luta contra o câncer” pode significar para o paciente?

Um estudo, publicado em 2019, analisou como as pessoas em tratamento oncológico se sentiam diante das metáforas bélicas. Os resultados reforçam que, apesar do linguajar bélico ajudar a ilustrar melhor o que está acontecendo com o corpo e como a terapia irá agir, pode fazer com que o tratamento pareça mais difícil e deixar os indivíduos mais fatalistas. 

Mulher com câncer deitada na cama dando a mão para uma segunda pessoa

Fábio pontua que tratar uma doença oncológica focando no perder ou ganhar uma batalha, coloca muita responsabilidade sobre o paciente, sendo que ele, geralmente, já está fisicamente e psicologicamente abalado. 

“Quem ‘perde’ fica com a sensação de que não fez o seu melhor e tem, muitas vezes, pensamentos repetitivos sobre seu ‘fracasso’, o que não é verdade”, diz.

Ele complementa explicando que as consequências psicológicas devido ao uso dessas expressões podem ser diversas. Entretanto, as mais comuns são: humor deprimido, podendo evoluir a uma depressão, ansiedade generalizada, síndrome do pensamento acelerado (voltado a pensamentos negativos), baixa auto-estima. Além disso, ao chegar no término do tratamento “ganhando”, alcançando a remissão, essas falas ainda podem gerar o questionamento  “será que venci a guerra ou apenas uma batalha?”.

“Isso causaria o medo da recidiva da doença. Este medo torna-se um fantasma a atormentar o paciente, que se não for tratado, pode prejudicar sua qualidade e retomada de vida”, alerta Fábio.

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Sobre ser um guerreiro na “luta contra o câncer”

Dizer que o(a) paciente está lutando uma guerra e, por isso, é um(a) guerreiro(a) pode afetar como a pessoa lida com o medo durante o tratamento e fazer com que ela minimize suas dores.

O psicólogo esclarece que isso acontece porque “um(a) guerreiro(a) não pode fraquejar, não pode chorar, se lamentar, simplesmente tratar e acreditar na cura, segundo crenças sociais pré-estabelecidas. É como se se sentisse blindado(a) para a luta, logo acaba minimizando, guardando sofrimentos emocionais. ”

Dois profissionais da saúde analisando exames enquanto uma pessoa faz quimioterapia

Lilia Elizabeth Luzes Borges, paciente de linfoma não-hodgkin folicular, atualmente em watch and wait, membro do Comitê de Pacientes da Abrale e administradora do @girassoisfolicular, concorda que ninguém deve ser incentivado a lutar. 

“A vida se dá no intervalo entre o nascimento e a morte e este período nunca deve ser uma forma de guerra. Mas sim, uma forma saudável e equilibrada de encarar os problemas de saúde e outros inevitáveis que possam aparecer. O paciente com câncer não é um predestinado, ele vive como todos, ele está no intervalo entre o nascimento e morte e, agora, com câncer”, ela diz.

Para Lilia, as pessoas não devem ser incentivadas a lutar, guerrear ou entrar em batalha diante de um problema de saúde – nem em muitos outros. O importante, nessas situações, é o incentivo a se cuidar, se informar e, se possível, ter apoio. 

Mas isso não quer dizer que os pacientes que se enxergam como guerreiros e consideram que estão enfrentando uma batalha, estão errados e que essas expressões nunca devem ser usadas. Não há uma determinação sobre o que falar para alguém com câncer ou não. Fábio Gomes ressalta que o relevante é não tornar esse o único recurso emocional de enfrentamento, uma vez que se algo acontecer diferente do imaginado, pode gerar frustração, culpa e sentimento de fracasso. 

“Isso não é verdade, pois um tratamento pode ser efetivo para um, mas não para o outro. Somos sujeitos singulares, com características genéticas, fisiológicas e psicológicas únicas”, ele afirma.

Lila Borges conclui pontuando que o principal é não sair do foco da verdadeira atitude que deve ser tomada diante de um câncer, que é procurar conhecimento e cuidado. 


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Muito interessante, sempre nos ajuda muito cada palavra!! Obrigada

conteúdo interessante, esclarecedor, as pessoas estão sempre atrás de artigos, para minimizar o seu problema com doenças em geral, o cancer ainda é muito mais angustiante devido a nossa cultura, já que ouvimos desde de criança de que CA não tem cura, claro hoje tem muito mais informações com relação a essa doença, que ajuda as pessoas ver com outros olhos e podemos viver com expectativas boas para o futuro. obrigado

Olá Elisabel! Obrigada por carinho. Que bom que nosso conteúdo esclareceu suas dúvidas. Ficamos à disposição!

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