Panorama do Transplante de Medula Óssea (TMO) no Brasil

Abrale, AMEO, ABHH e SBTMO estão dedicadas em criar um documento que liste os problemas do TMO no Brasil e proponha ações práticas
Por Aline Oliveira Costa
Desde o início de 2024, a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) passou a priorizar em sua agenda de políticas públicas e advocacy a estruturação do acesso ao transplante de medula óssea (TMO) no país. Com o apoio da equipe e por meio de articulações institucionais, iniciou um trabalho sistemático de levantamento de dados, ouvindo especialistas, mapeando gargalos junto às secretarias estaduais de saúde e promovendo articulações para subsidiar mudanças concretas na política pública.
Como parte dessa estratégia, a Abrale uniu esforços à Associação de Medula Óssea (AMEO), e juntas passaram a realizar uma escuta ativa de médicos de diversas regiões do Brasil, coletando dados e relatos que ajudassem a compor um diagnóstico realista do cenário do TMO. Essas informações foram sistematizadas e apresentadas no 11º Congresso Todos Juntos contra o Câncer em 2024, dando visibilidade às principais barreiras enfrentadas por pacientes e profissionais. Acesse aqui.
Os dados coletados indicam que o Brasil conta atualmente com cerca de 60 centros habilitados para realizar TMO pelo SUS, distribuídos de forma desigual entre as regiões. Estados como Amazonas, Acre e Tocantins não possuem centros habilitados, o que obriga o deslocamento de pacientes para outros estados, gerando atrasos no início do tratamento. Além disso, foi identificada a existência de longas filas de espera —com casos de pacientes aguardando por mais de seis meses— e a baixa realização de transplantes pediátricos em algumas regiões, em especial no Norte e Nordeste. A ausência de um sistema nacional de monitoramento das listas e a falta de integração entre a política de câncer e a política de transplantes também foram apontadas como barreiras críticas.
A partir da constatação de que os desafios são estruturais e multifatoriais —como a insuficiência de leitos, escassez de centros especializados e falta de integração entre políticas—, Abrale e AMEO ampliaram o diálogo, envolvendo também a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e a Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO).
O objetivo foi reunir o conhecimento técnico dos especialistas para propor soluções conjuntas, com base na realidade dos serviços.
Como resultado desse esforço coletivo, foi realizada, em 19 de fevereiro de 2025, uma reunião entre Abrale, ABHH e AMEO, na qual foram apresentados os dados levantados até então e debatidas propostas iniciais de ação. Essa articulação culminou em um segundo encontro, desta vez em Brasília, em 19 de março de 2025, com representantes da Coordenação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (CGCAN) e do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), com o intuito de incluir como uma prioridade na Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) também o TMO, e alinhar caminhos possíveis entre a sociedade civil, os especialistas e o governo federal.
Durante a reunião, Fernando Barroso, representando a SBTMO, ressaltou a necessidade de ampliar a equidade entre os centros de coleta e transplante de medula óssea, além de qualificar as equipes envolvidas. Ele alertou para a sobrecarga enfrentada pelos poucos centros habilitados e destacou a preocupante escassez de transplantes pediátricos, especialmente na região Norte, onde o atendimento permanece aquém das necessidades da população.
Em resposta, a coordenação do SNT destacou que o novo regulamento da Comissão Nacional de Regulação de Transplantes (CNRQ) pretende fortalecer a interface entre a política de câncer e a de transplantes. Entre as medidas previstas estão a definição de pontuações diferenciadas para transplantes de medula óssea, com atenção especial a crianças, além da implantação de um sistema nacional de monitoramento das listas de espera. Foi também mencionada a articulação com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), que está desenvolvendo planos para expandir o número de especialistas, com bolsas voltadas à formação em oncologia e hematologia.
Por parte da CGCAN, José Barreto sinalizou a possibilidade de incluir o TMO na estrutura da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, tanto por meio do programa de navegação quanto pelas linhas de cuidado já delineadas nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs). Já Suyanne Monteiro destacou a importância da atualização dos PCDTs com foco no TMO, além da publicação iminente do Protocolo de Alta Suspensão de Câncer, que irá reforçar o diagnóstico precoce do mieloma múltiplo e ampliar a atuação da atenção primária neste campo.
Reconhecendo a importância de transformar esses diálogos em propostas concretas, Abrale, AMEO, ABHH e SBTMO estão agora dedicadas à construção de um documento técnico propositivo, que sistematize os problemas identificados e proponha ações práticas.
A intenção é apresentar esse plano às esferas federal, estadual e municipal, com especial foco no Ministério da Saúde, Conass e Conasems, buscando apoio para sua implementação e inclusão nas agendas prioritárias da saúde pública oncológica no Brasil.
Referências:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LINFOMA E LEUCEMIA (ABRALE). Transplante de medula óssea. São Paulo: Abrale, [2024?]. Disponível em: https://abrale.org.br/informacoes/tratamentos/transplante-de-medula-ossea/#1583784572334-10b4d0b7-1a08f58a-e11a. Acesso em: 6 maio 2025.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS (ABTO). Registro Brasileiro de Transplantes (RBT). Disponível em: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/. Acesso em: 6 maio 2025.
ASSOCIAÇÃO DA MEDULA ÓSSEA (AMEO). Mapa do Transplante de Medula Óssea. Disponível em: https://ameo.org.br/mapa-do-transplante-de-medula-ossea/. Acesso em: 6 maio 2025.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS). Sistema de Informação Hospitalar (SIH/Datasus). Dados de internações para Transplante de Medula Óssea (TMO) em 2023. Acesso em: junho 2024.